Arte de Roubar
Tozé Brito fala da carreira e do mundo em que vive
“As pessoas olham para a música como uma arte menor”
Com uma vida ligada ao mundo da música, António José Correia de Brito, conhecido do público como Tozé Brito, passou por diversas experiências ao longo da carreira. Do currículo fazem parte trabalhos como músico, compositor, autor, editor e produtor musical. Em entrevista fala, agora, do modo como encarou as diversas fases da carreira e das mudanças a que assistiu ao longo desse caminho.
Como se deu a sua entrada no mundo da música?
Deu-se aos catorze anos, no liceu. Juntámos meia dúzia de amigos, resolvemos fazer um grupo e cada um pegou na sua guitarra. Eu fui para a viola baixo e, a partir daí, passou a ser o meu instrumento. Começou assim o meu primeiro grupo, o Grupo Quatro e, um ano depois, com uma coisa mais séria, nos Pop Five, foi a entrada no mundo da música de um modo, não direi completamente profissional, mas já semi-profissional.
Na sua opinião quais foram as maiores mudanças que ocorreram no mundo da música?
Antes dos anos 60, tocava-se principalmente ao vivo e as vendas de discos eram poucas. Havia as grandes orquestras e os sucessos eram as músicas dos filmes. A música estava muito ligada aos espectáculos.
Os tempos mudaram completamente. Apareceram pessoas a tocar e a cantar e editoras interessadas em gravá-las. Outras mudanças foram o surgimento da cassete e o início da pirataria. O vinil não era “pirateável”, ninguém tinha fábricas de vinil para fazer discos.
É curioso que a Phillips tenha estado, por um lado, envolvida na venda da música e que, por outro, a vender os formatos, como a cassete e o compact disc, que permitem que as pessoas façam pirataria.
O mercado esteve sempre a crescer até que veio a Internet e, aí, é a revolução completa porque a pirataria é muito mais fácil. Qualquer pessoa pode fazer o download a qualquer minuto.
Actualmente, como acha que a música é encarada no nosso país?
Como sempre foi, com um certo desprezo. As pessoas olham para a música como uma arte menor. Estamos num país em que o cinema e as peças de teatro são subsidiados e a música, excepto a música erudita, é considerada uma arte menor. Existe uma cultura um tanto elitista nesse aspecto que protege a música clássica, paga a esses músicos e, a partir daí, considera que tem serviço feito. Esquece que há milhares de pessoas que querem fazer música em Portugal e não tem apoio. Os músicos foram sempre desprezados. Quem faz música pop ou rock é completamente posto de lado.
Considera que a televisão e a rádio têm sido justas na divulgação da música portuguesa?
Nunca foram. A televisão é péssima, não há um único programa de música na televisão e é curioso porque, quando se viaja pela Europa, ao Sábado ou ao Domingo há um grande programa musical onde toda a gente tem oportunidade de cantar. São programas excelentes, bem estruturados, bem feitos.
Em Portugal, só temos o Top+, que não é um programa musical mas uma tabela de vendas com videoclips, criada pela Associação Fonográfica Portuguesa, que é a associação que congrega todas as editoras portuguesas e paga pela SPA para divulgar a música. Depois, só temos os programas de entrevistas onde, de repente, há um momento musical e, depois, voltam a outros temas. Isto é tratar a música abaixo de cão.
Quanto à rádio, só passou a dar música portuguesa a partir do momento em que saiu uma lei que os obriga. Até lá, recusavam-se a passar e, mesmo agora, passam nos períodos em que ninguém está a ouvir. Há uma ou outra excepção, como a RDP e a Rádio Amália.
Participou no Festival da Canção várias vezes, tendo ganho em 1978. O que lhe trouxe esta vitoria?
Algum prestígio, na altura, em Portugal, pois ganhar um festival, a nível interno, tem algum impacto. Lá fora, trouxe-me bons contactos e bons amigos mas não teve expressão nenhuma. Portugal é um país periférico e temos uma língua que não ajuda nada. O português é uma língua que é difícil em termos europeus e a RTP tem tido uma postura sempre honesta, de não entrar em jogos. Porque os votos negoceiam-se, na Eurovisão. Estive lá e vi as delegações tentarem trocar votos mas, quando íamos falar com a delegação, diziam que não entravam nisso. Não é só por se negociarem meia dúzia de votos que se ganha mas o facto de negociar com meia dúzia de países atira-nos logo para os primeiros lugares. Eu acho que nem passa pela cabeça da RTP ganhar a Eurovisão. Já imaginaram o que seria organizar a Eurovisão em Portugal? Era preciso o pavilhão Atlântico e receber, durante três semanas, delegações de não sei quantos países. Não havia hotéis, não havia nada. Por isso o melhor, se calhar, é não ganhar.
Já enquanto compositor, ganhou o Festival da Canção, em 1982 e em 1985. Essas vitórias tiveram algum impacto na passagem definitiva da execução à criação?
Claro. Na altura, já tinha ideia de pousar a viola porque tudo na vida tem um tempo. Decidi sair do palco e fazer outras coisas. Compor é aquilo que eu mais gosto de fazer.
Sempre tive muito claro na minha cabeça que ia chegar a um ponto em que ia deixar de cantar porque acho que se deve tentar sair por cima, enquanto se está ainda numa fase boa. Este mercado é triturante porque está sempre a entrar gente nova.
Em Portugal, há uma particularidade: as pessoas batem-te palmas num dia e cospem-te em cima no dia seguinte. Convém sair antes disso. É muito típico dos portugueses lamberem-te as botas quando estás em cima e, quando a vida te corre pior, espezinharem-te. Somos pequeninos, invejosos, maldosos. É o país que temos, temos de viver com ele.
Considera que, actualmente, é possível viver da música em Portugal?
Já foi mais fácil mas não é impossível. Para quem traz carreiras feitas é possível continuar a dar espectáculos e a vender discos. O que se está a tornar complicado é nomes novos fazerem carreira. As editoras apostam num artista por ano e vão ver como é que vão investir.
É mais difícil viver-se da música porque, da venda de discos, já não se vive. É preciso dar espectáculos e, mesmo esse, é chão que já deu uvas. Durante anos foram as câmaras municipais que suportaram os concertos e patrocinaram toda a cultura. O problema é que, quando o país entra em depressão, as autarquias também sofrem com isso e os orçamentos deles não dão para suportar isto. Artistas habituados a fazer trinta concertos por ano passam a fazer dez. E, ganhando três vezes menos, precisam de fazer cortes. Há um momento em que estrangula e as pessoas se questionam se vale a pena estar na música ou se é melhor ir fazer outra coisa porque a música já não compensa.
Saiba mais sobre Tozé Brito:
Tozé Brito in página oficial
Tozé Brito in Sociedade Portuguesa de Autores
Veja ainda a opinião de Tozé Brito quanto à convergência das novas tecnologias para o futuro:
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